About Me

sábado, 24 de novembro de 2012

Elenco de um só corpo



Existem incontáveis dimensões da realidade em constante colisão dentro de mim. Às vezes, quando me sinto triste sem um motivo óbvio, fica sempre a dúvida se aquela tristeza é minha ou de uma personagem. Ninguém guarda apenas a si mesmo nesse corpo palpável. Dentro do que, externamente, aparenta unidade, há uma sequência aleatória de humores, realidades, sentimentos. 

Portanto, a tristeza não faz de mim quem eu sou, porque eu estou triste, não sou triste. Aquela que, naquele momento, recusa a mão estendida que vai puxá-la para fora do buraco, aquela não sou eu. Andar cabisbaixo, meio rabugento, ignorando todo e qualquer estímulo para a felicidade, não define a personalidade de ninguém. É um daqueles estágios  em que só a vida enxerga linearidade, enquanto nós, humanos e infinitamente ignorantes quanto ao rumo e às razões disso tudo, só conseguimos encarar como aleatoriedade. "Vai passar", é o que a gente costuma falar. Porque, inconscientemente, sabemos de antemão que aquela tristeza não é algo que pode ser medido, previsto ou diagnosticado, por mais que muita gente insista em apontar motivos. Por que buscar razões para um sentimento que nem vale a pena ser prolongado? 

Não só o mau humor ou os dias ruins, mas a alegria e a inquietação daqueles nossos melhores dias também não se anunciam com antecedência. Por isso eu insisto que todos guardamos esses inúmeros indivíduos dentro de nós, alguns que são mais queridos e outros que só aparecem pra dar uma lição na gente, todos se manifestando sem cerimônia. Lição, porque, até hoje, aprendi muito mais com meus piores momentos que com os melhores. Tristeza, frustração, decepção foram grandes professoras minhas, abriram meus olhos, varreram ideias preconcebidas e me mostraram as bifurcações no caminho. Há sempre novas maneiras de enxergar o mundo.

Essa nossa característica incrível de renovação constante, acredito eu, é fruto dessas dimensões infinitas, dessas personagens inquietantes dividindo o corpo com a gente, reivindicando, de tempos em tempos, a sua vez de jogar. O frenesi da disputa é tamanho que, não raro, reconhecer-se vira missão impossível, mas atuar na peça da vida é simplesmente um privilégio valioso demais, incluindo renúncias, decepções, mas também alegrias e prazeres pelos quais vale a pena permanecer no palco. Por isso, quero viver todas as minhas realidades, experimentar a falta de decoro, a dor de cotovelo, o riso bobo, o choro no escuro, os abraços demorados e o amor sem formalidades. Recuso o papel de coadjuvante. Sou protagonista nesse elenco de um só corpo.




quinta-feira, 14 de junho de 2012

Crônica: (In)felicidade


Como que para se contrapor à autopiedade insistente que se alojara dentro de mim havia quase uma semana, o dia estava perfeito. Sol, poucas nuvens, gente na praia, a criançada correndo livre, chutando a água do mar. Um clima de bossa nova e a mulherada desfilando em roupas minúsculas até onde a vista alcançava. Mas meu desânimo era como um gosto amargo na boca que tira o sabor de qualquer comida boa. Eu até disse à família que não me importava, ‘da próxima, dá certo’, eu disse com um riso amarelo.

domingo, 3 de junho de 2012

'Espelho, espelho meu'


‘Espelho, espelho meu’

A beleza é teu instrumento de guerra, o escudo que te mantém a salvo. Quando indefesa, eles te protegerão. Quando forte, eles te respeitarão. Não existe melhor ferramenta, minha menina, acredites em mim. Mesmo sob as sombras do teu caminho, estarás a salvo, pois teu pacto é de sangue, o símbolo da vida fervente em tuas veias. És a mais bela e disso há de tirar proveito sem que nenhuma outra tua glória afronte.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Reciprocidade


"Quero parar de me doar e começar a receber." Viu só? Caio me compreenderia. Alguém me socorra! Já faz um tempo que eu bato na mesma tecla, já tá ficando realmente chato. Isso de fazer tudo pelos outros e receber o frio e desprezível nada. Eu, que me frustro com uma facilidade absurda, já não suporto mais a falta de um retorno, por menor que seja, daqueles com quem me preocupo e por quem faria qualquer coisa. Por mais que eu pise firme e decida que não vou mais fazer nada por ninguém, meu senso de carinho e proteção é muito mais forte. 


Por isso, não há nada que eu possa fazer além de repetir a dose de nada em troca.

Isso de se doar a alguém sem receber só fica bonito na frase. Na vida real, de pessoas com sentimentos e necessidades, não faz o menor sentido. É preciso que haja reciprocidade, porque, sem ela, não há casamento que se mantenha, namoro que prossiga ou amizade que suporte, mesmo sendo essa última - se verdadeira - a mais resistente das relações. 


Porque o que eu sinto quando não percebo por mim o mesmo carinho, a mesma proteção, o mesmo interesse, que dispenso a quem gosto, começo a pensar que não tenho a mesma importância que eles têm para mim. É como estar absolutamente sozinho num trem para o seu destino preferido. De que vale aproveitar sozinho? Reciprocidade é partilhar, é se sentir parte de um todo emocionante e acolhedor. 


Às vezes não sou eu que decido sentar sozinha nesse trem, são os outros que se recusam a me acompanhar.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Minha mãe


Não. Minha possessividade não se restringe ao meu pai ou a um ou outro amigo. Minha mãe é - e admito sem pestanejar - a pessoa de quem mais tenho ciúmes. Mas ciúme não é o tema central desse texto, portanto, voltemos ao foco óbvio previamente determinado: Minha mãe.

É Maio e eu tenho mãe, daí fica aquela obrigação implícita de fazer algo a respeito. Mas, pra mim, longe de ser obrigação, escrever algo pra homenagear minha mãe é até uma boa oportunidade de deixar claro o que não consigo exprimir em palavras faladas. Como para meu pai, isso de dizer tudo o que sente e frequentemente não é lá muito confortável pra mim. Então, que seja como tiver de ser. Eu a amo e ela sabe bem disso, porque não falo, mas meus beijos, abraços e brincadeiras, meus princípios e minha disciplina (ainda que meio maleável) dizem tudo.

Não fiz o texto no dia 13 porque, como é sabido, não costumo me identificar com o hábito geral. O que todos fazem - ao mesmo tempo e da mesma maneira - não me atrai. Ao contrário, me repele. Por isso, deixei para fazer essa homenagem quando todo mundo já deu os presentes, já bombardeou as redes sociais com fotos e mensagens de carinho para suas mães. Quando todo mundo já fez seu papel como máquinas de consumo alimentadas pelo feriado comercial e encerrou o marketing periódico do seu amor. Não preciso de um feriado pra lembrar o quanto minha mãe é importante ou o quanto ela já fez e ainda fará por mim.

É preciso, de fato, uma boa dose de paciência pra me esperar superar a preguiça de falar pela primeira vez, pra aturar minhas birras de frustração no shopping ou no supermercado e, nos próximos anos da vida, apoiar as decisões, lamentar enganos, brigar e aconselhar. Uma boa dose de paciência e outra infinita de amor. Amor infinito só pode ser o materno. E o meu por ela. 

Então, minha mãe, espero que eu possa ser pelo resto da vida uma extensão das suas melhores qualidades e - por que não? - de alguns defeitos também. Porque é com eles que a gente aprende mais. Com você, aprendi a buscar ser o melhor que eu puder ser, a não passar por cima de ninguém, a respeitar em troca do mesmo respeito e a não fazer distinção nenhuma entre as pessoas. 

Obrigada por não desistir de mim e por me fazer sentir tão segura. O meu presente pra ti é o mesmo que de ti recebi há muito tempo: a certeza de que, na tua queda ou no teu voo, eu vou estar sempre ao lado. 


P.S: Sei o quanto você está reclamando da foto, que o cabelo ficou assim ou assado, mas... é minha pequena e sórdida vingança! HAHAHAHA! Vou mostrar pra todo mundo essa foto! Ah, vai, nem tá ruim. Beijo, minha mãe! Mereço surpresas da cacau show por essa homenagem, hein...

terça-feira, 1 de maio de 2012

#16 Pedro Juan Gutierrez

"A arte só serve de alguma coisa se é irreverente, atormentada, cheia de pesadelos e desespero, só uma arte irritada, indecente, violenta, grosseira, pode nos mostrar a outra face do mundo, a que nunca vemos ou nunca queremos ver, para evitar incômodos a nossa consciência."
- Gutierrez

terça-feira, 17 de abril de 2012

O altruísmo puro


Eu sou uma pessoa facilmente tomada pelo encantamento diante do altruísmo. Do verdadeiro, do altruísmo puro. Daquele gesto no cotidiano de ceder o assento do ônibus a um senhor, de segurar a porta pra que alguém cheio de sacolas passe, de devolver algo que deixaram cair. Assisto a momentos como esses com um brilho no olhar, tenho certeza de que não disfarço muito bem. Porque, pra ser sincera, eu não espero isso das pessoas. Outro dia, numa manhã - madrugada - de chuva torrencial, enquanto eu esperava no ponto de ônibus, vi uma cena que me marcou. Uma mulher, trazendo uma criança de colo, tentava precariamente descer do ônibus e abrir o guarda-chuva, tudo ao mesmo tempo. Do meu lado, um rapaz de mochila e havaiana, estudante universitário como eu, correu até a porta do ônibus e abrigou a mulher e sua criança sob o guarda-chuva dele, deixando-se molhar. Ele acompanhou as duas até que estivessem protegidas debaixo do abrigo em que todos nós estávamos.

Apenas tardiamente eu notei que estava sorrindo. O rapaz olhou pra mim e devolveu o sorriso, mas não como se dissesse 'eu sei, sou um bom samaritano'. Não, ele sorriu de volta porque era um amor de pessoa mesmo. Ainda ficou um tempo conversando com as duas antes de pegar o próximo ônibus. Daí eu fiquei pensando que aquele momento marcou o meu dia. Engraçado, mas eu realmente me senti feliz. Verdadeiramente feliz, porque nem aquela chuva pesada, nem as pessoas aborrecidas com aquela água toda, com as roupas molhadas, as chapinhas arrasadas, nada poderia me irritar depois daquilo. Ainda existiam pessoas altruístas por natureza no mundo e isso era digno de um sorriso e uma postura positiva diante da vida. 

Eu gostaria de ver mais cenas como essa, porque elas me renovam, elas me devolvem o privilégio de acreditar nas pessoas, na sua bondade, na parte boa que sobrevive nelas mesmo num mundo tão cheio de trapaça, desonestidade e grosseria. Ver esse tipo de cena reduz minha carranca, relaxa meus músculos rijos, baixa minha guarda um pouco. Porque todo dia eu visto minha máscara, como todo mundo. A máscara da desconfiança, do distanciamento e do desinteresse.

Assistir ao altruísmo alheio tanto quanto praticá-lo você mesmo faz bem à saúde. Eu acredito nisso. Por isso, se não posso ser presenteada diariamente com um gesto de bondade, generosidade, posso praticá-lo eu mesma. Já compreendo que com uma atitude aparentemente irrelevante de tão pequena e rotineira, eu posso melhorar o dia de alguém, posso presentear alguém com o mesmo encantamento rejuvenescedor que tanto valorizo.

domingo, 8 de abril de 2012

Perdi a hora


Perdi a hora e não peguei teu trem. Só eu sei o quanto corri pra alcançar tua estação. Mas meu tempo não era o teu, por isso perdi a oportunidade de te dizer que aquela não era uma despedida. Perdi a hora. Agora o que eu faço com a tua bagagem? Sim, porque tu deixaste uma parte comigo. Nem sei se era tua intenção, se foi proposital. Mas aqui está, comigo, algo que pertence a ti e, de certa forma, agora pertence a mim também. Perdi a hora e nunca vou saber se tu querias mesmo que eu guardasse tua mala. Abandonada, emprestada, doada? Como tu a deixaste para trás? Me diz logo, rapaz. Volta logo, desce na próxima estação. Não sei. Dá um jeito de emparelhar nossos relógios, de fazer do teu tempo o meu. Mas me diz que isso que tu esqueceste de levar, na verdade, não foi culpa do esquecimento, mas da certeza de que eu sentiria tua falta. Perdi a hora, mas eu sei que nossos ponteiros ainda hão de marcar o mesmo tempo.
"O segredo do tempo é consumi-lo sem percebê-lo." (Paulo Esdras)

sexta-feira, 30 de março de 2012

Sarar


Ei, ela andou pensando, sim. Tem dito por aí que ele era um canalha mesmo, que não passou de uma perda de tempo e juventude, que só a ideia dele embrulhava seu estômago. Mas não é preciso ser terapeuta pra arriscar um diagnóstico. Tudo tentativa de autoconvencimento pós-desilusão. Ah, como ela tem pensado! Vou te dizer: ela ainda não apagou todas as mensagens. Passou algumas noites em claro, lendo todas e forçando a si mesma a apertar o botão. O problema é que, para ela,apagá-las seria como se livrar completamente dos registros do quão bom já foi. 

Ela só precisa de um tempo, mais alguns xingamentos e uma ou outra crise de choro. Depois de todo esse processo inevitável e intransferível, tudo ficará melhor, se assim ela decidir. E eu sei que ela quer melhorar. Sei disso porque decepções amorosas, para uma mente tão lúcida quanto a dela, são um ótimo teste de coerência. E ela é coerente. Mesmo aqueles mais racionais e objetivos precisam de uns tropeços que levem a uma queda livre no romantismo, na idealização. Todos precisam disso vez ou outra. 

Deixe que ela continue falando todas as mentiras, deixe que despeje sua frustração e sua rebeldia crua. Só vai durar mais alguns dias. Ela está sarando. Porque é esse o futuro de feridas abertas: sarar.


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Let's make this happen, girl you gonna show the world that something good can work and it can work for you.
And you know that it will.
(Vamos fazer isso acontecer, garota, você vai mostrar ao mundo que algo de bom pode funcionar e pode funcionar para você.
E você sabe que vai.)
- Something Good Can Work (Two Door Cinema Club)
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Rodas-gigantes


Não sei, existe algo sobre as rodas-gigantes. Algo que não se pode revelar, algo indescritível, tão mágico e íntimo que não se pode destacá-lo sem que perca parte do encanto. Sempre fui muito apaixonada por rodas-gigantes, desde a infância em parques de diversão de pracinha. Se tivesse uma roda-gigante, eu sabia muito bem em qual brinquedo iria por último. É, por último, porque o grand finale é um deleite do qual não me privo.

A sensação de ser tão pequeno quanto você possa se sentir, não como uma constatação de minimalismo, insignificância, mas de individualidade, de importância, por fazer parte de um mundo tão maior que a própria roda-gigante. Eu sempre pensava muito sobre essa noção de ser uma parte (ainda que pequena) de um todo magnífico e infinito. É, pensava nisso enquanto chegava ao topo e balançava os pés pendurados a tantos metros de altura, espiando as pessoas, que, dali de cima, cabiam entre dois dos meus dedos. Ali, no alto, eu podia me sentir maior do que as crianças que corriam lá embaixo, mas jamais seria maior do que o mundo, do que o céu estrelado sobre minha cabeça. A sensação era e ainda é incrível. Existe algo sobre rodas-gigantes, e por mais palavras que venham à mente quando penso sobre isso, nenhuma delas faria jus algum.

domingo, 25 de março de 2012

Mudanças e meu primeiro melhor amigo


As pessoas e situações ao meu redor têm uma tendência a mudar constantemente. Ainda não sei bem se já tolero essa inconstância que pode ser tanto problemática quanto revolucionária. A questão é que eu não me decidi se gosto ou não de mudanças. Enquanto na minha indecisão, eu digo que não discorro sobre o assunto com a profundidade que este merece. Pensando nisso, eu me lembrei de uma coisa.

Na minha infância, eu tive um melhor amigo, cujo nome não vem ao caso. Já naqueles tempos, eu era durona, preservava meus sentimentos como quem preserva a própria vida. Mas eu gostava dele, mais do que ele imaginaria. Na minha fantasia infantil, gostava de acreditar que nós seríamos melhores amigos para sempre e, num futuro ainda distante, envelheceríamos como amantes. Ele cuidava de mim e eu cuidava dele, nós nos defendíamos dos garotos durões como camaradas fariam. Mesmo naquela época, com a minha cabeça tão imatura, eu já compreendia que, certamente, ele me via apenas como uma amiga boa de briga, quase um outro garoto. Ainda assim, ele não deixava de me chamar carinhosamente de Fernandinha, ou de segurar a minha mão quando corríamos juntos ou de me presentear com flores sempre que encontrava alguma. 

Eu adorava os seus olhos azuis, os cabelos escuros e lisos como seda. Ele não devia notar, mas eu estava sempre desejando poder tocar nos seus cabelos. Sob o sol, a pele branca dele parecia brilhar, doía os olhos só de olhar pra ele. Mas eu adorava, especialmente quando ele brincava tanto que seu rosto ganhava um tom ruborizado, era um contraste encantador.

Então, o que tem essa minha paixão de infância com meu temor de mudanças? 

Bom, na alfabetização, minha convivência com ele começou a se reduzir e reduzir e reduzir. Eu passei a estudar um dia pela manhã, outro pela tarde. Acontece que a turma da tarde era majoritariamente masculina, a ponto de apenas eu e outra menina representarmos o sexo oposto numa sala de vinte alunos. Como era de se esperar, eu praticamente virei outro menino, participando das brincadeiras de corrida, com os bonecos de ação, os carrinhos de controle remoto, mas, principalmente, de forte militar! Sim, esse último era o meu passatempo preferido: O parquinho da escola servia de forte, e eu era um dos soldados responsáveis pela desefa dele. Nós podíamos passar o recreio inteiro nessa brincadeira. Voltando ao que interessa e, baseado nessas informações: Aos poucos, eu estava me afastando do meu melhor amigo da manhã.

Finalmente, a alfabetização terminou. Foi o ano em que eu poderia ser eleita a nerd mais insuportável da turma, porque, por já saber ler e escrever havia quase dois anos, eu me frustrava com os exercícios e com a inexperiência dos colegas. Nas férias, eu e o meu menino nos encontrávamos no parque do Cocó, que já foi muito lindo e especial para mim. Nossos pais se reuniam com amigos pra conversar e jogar bola, enquanto nós, seus filhos, brincávamos juntos, perpetuando a amizade de uma geração.

Mas, como tudo na vida, esses encontros começaram a ficar mais escassos. Os pais trabalhavam mais, estudavam mais... Enfim, ficava mais difícil encontrar tempo para as velhas amizades. Eu e meu melhor amigo paramos de nos ver por anos. Quando, finalmente, nós nos reencontramos, éramos pessoas completamente diferentes. Quase opostas, eu me arriscaria a afirmar.

Eu me lembrei disso porque estou estudando na mesma universidade que ele, e não consigo me aproximar por medo. Medo de termos mudado tanto um para o outro que ele não seria capaz de me reconhecer. Medo de confirmar o óbvio: não somos mais conhecidos, somos completos estranhos.

Sei da inevitabilidade das mudanças. Pessoas mudam, lugares mudam, tendências mudam. Acho que deve mesmo ser um ciclo natural de tudo, mas isso não significa que eu goste de todos esses desvios de rota. Na verdade, eu temo muitas delas, tanto que me esforço pra preservar quem eu fui quando criança, acrescida apenas da experiência que guardo nas cicatrizes que a vida imprime em mim. Meu medo prévio de mudanças é tão grande que só agora eu me tenho permitido certo liberalismo, aos 18 anos de vida. Conservo muito do que fui, mas já aprendi tanto que compreendo a importância de mudar, seja de ideologia, de preferências, de hábitos.

A minha luta é pra aceitar essas mudanças. Eu as compreendo, mas não as aceito na grande maioria das vezes. Paradoxal? Não acho. Compreender e aceitar não excluem um ao outro. Continuo, portanto, aguardando ansiosamente que o tempo me traga algumas explicações. Espero me convencer de que as mudanças de hoje são necessárias para boas novidades no futuro.

E quanto ao meu melhor amigo? No fundo, eu nunca vou deixar de amá-lo. Ele não mexe mais com os meus sentimentos, mas, definitivamente, vai ser o meu primeiro melhor amigo para sempre, e essa é a uma das poucas coisas que jamais mudarão.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Sonho


Eu tenho o mesmo sonho todos os dias, acordada ou não: meu livro publicado e uma tarde tímida de autógrafos.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Lembranças



Ultimamente, minhas lembranças têm se transformado em imagens. Tu entendes? É como se estivessem entrando num arquivo, finalmente, depois de estarem correntes por tanto tempo. São como fotos agora, um acúmulo delas no fundo da minha mente. Só que, como fotos antigas, essas lembranças se perdem facilmente, porque, embora estejam guardadas, não sei exatamente onde. Com o tempo, também percebi que minha memória vai ficando mais seletiva e, sem aviso prévio, rigorosamente descarta algumas dessas fotos. Se tu soubesses o quanto tem sido difícil lembrar alguns nomes, alguns velhos rostos. Pergunto-me se tem sido igualmente penoso pra ti. Sim? Tua memória também tem te pregado peças, tu também te sentes como um jovem idoso? Saibas que algumas das tuas fotos já foram descartadas, não que eu tenha desejado assim. Pelo menos não conscientemente. Porque, pra ser bem franca, a gente nunca sabe quem domina, se é nossa vontade ou se é nosso inconsciente. Tenho um palpite, mas não te digo. 

Por mais que eu tente agarrar algumas dessas fotografias, não cabe a mim decidir por uma ou outra. Acredito que, por algum motivo que desconheço, elas se vão para o meu bem. Ouso arriscar a possibilidade de que eu terei alguns sofrimentos aliviados com algumas fotos a menos. Fotos de momentos que, um dia, foram felizes, mas que hoje só representam dor. Espero que tu concordes comigo, pois tu também fizeste parte de muitos deles. Agora eu te prometo fazer tentativas. Prometo tentar, com todas as minhas forças, esconder alguns dessas fotos num lugar seguro. Seguro na minha concepção. O fato é que existe algo bem maior do que as minhas convicções, algo que pode seguir meus passos e desvendar meus esconderijos. Mas, como eu te disse, prometo tentar proteger as fotos em que sorrimos e nos abraçamos, proferindo promessas de realizações questionáveis. Lembranças minhas, tuas, fotos de nós dois.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vício Secreto


Mas, no fundo, por que escrever é meu vício secreto? 

Uma música. Um texto. Uma foto. Uma pessoa. Um sorriso. Uma folha. Um animal querido. Uma árvore. Um filme. Um cenário. Não, meu vício não faz distinção entre quem pode servir de inspiração ou não. Absolutamente tudo é válido. 


Um vício do qual não me envergonho, mas que preciso manter em segredo. Manter em segredo, sim, porque o tempo não para, como Cazuza quis deixar bem claro. Por muitas vezes, reservo o desejo de escrever para depois. Por quê? As pessoas perguntariam, mesmo a resposta sendo tão óbvia. Não há tempo suficiente. E, infelizmente, como todo vício, eu sofro por não poder satisfazê-lo assim que a tal coceirinha vem e incomoda. Às vezes, no ônibus, depois de ouvir, despropositadamente (às vezes não), a conversa alheia; depois de ver alguém subir, alguém que se destaca dentre todos os outros por um olhar, por um gesto, pela maneira de se mover; o vício também se manifesta na hora da leitura de algum livro da faculdade, esta que tem me proporcionado acesso à visão de pensadores renomados sobre pessoas. Sim, pessoas. Porque de que é feita a sociedade, senão de pessoas?

O ato de escrever por desejo, por hobbie, acumulou infinitas definições ao longo de sua existência. Para diferentes pessoas, diferentes definições. Para mim? Não sei bem. Como Carnelutti, admito não ser capaz de fornecer uma definição, mas me proponho a usar comparações, analogias descontraídas. Costumo pensa na missão de quem escreve como a de quem constrói a própria casa. É reunir o material, arregaçar as mangas e fazer o trabalho sujo, cansar e, ainda assim, prosseguir, por saber que, no final, vai ter valido a pena. Porque, no final, aquele lugar vai ter o seu toque, o seu suor, a sua marca. Por mais que, em alguns momentos, a construção tenha sido penosa, em outros, foi simplesmente maravilhosa. Também assim, escrever não é sempre fácil, mas também não é sempre difícil. Acredito, entretanto, que tal antítese seja essencial para que qualquer coisa valha a pena.




 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Quem é Fernanda



Escolheram-me Fernanda. Sou uma estudante universitária de Direito e prosadora de gaveta, navegando, nas horas vagas, cheia de curiosidade, entre Psicologia, Arte e Astronomia, atraída pelo enlace irresistível das três. Nordestina, cresci sob o sol escaldante e junto ao litoral generoso de Fortaleza, minha cidade natal, com a qual nutro uma relação ainda em maturação, dividida entre o carinho e a constante dificuldade de identificação. Nunca aqui finquei raízes, pois tenho coração voltado para o mundo, enquanto os olhos varrem o céu. Apaixonada pelo convite à descoberta que toda viagem representa, carrego sempre a curiosidade como guia, sonhando com as intensas narrativas que natureza e ser humano, em sua inesgotável pluralidade, são capazes de conceber. 

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Para ti, sobre ti.

Se tu soubesses o quanto já escrevi sobre ti, teus trejeitos, teus diferentes risos. Talvez achasses graça de mim, um amante tão apaixonado, seguindo a sina de te amar como nunca antes experimentara amar. Somente para teus olhos, reservo inúmeros adjetivos, feitiços, tudo envolto na beleza que minhas palavras buscam reproduzir. Tu me olhaste certa vez com lascívia, torcendo o lábio, mordendo de leve, exatamente como quem sabe que é desejado. Escrevo para ti, sobre ti. Esperando apenas que recebas meus poemas tortos com o mesmo sorriso que neles falo.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Meu pai


Eu não me lembro bem quando chamei pela primeira vez. Segundo relatos, com poucos dentes, na minha preguiça incorrigível de falar, demorei, mas chamei: Cacai. Seja por um espírito revolucionário, seja por puro desprezo ao clichê primeiro 'papai', eu ainda demoraria a permitir as comemorações eufóricas de vocês dois. Até lá, aos trancos e barrancos, minha mãe ia me ensinando a maneira correta e esperava que eu compreendesse. No fundo, ela sabia que eu só tinha preguiça. É, de falar o certo. Com uma risada de quem conhece bem a filha que tem, ela já disse que, na realidade, eu achava risível todo o esforço das pessoas ao meu redor para me fazer falar as palavras corretamente.

Mas 'cacai' seria só o primeiro termo para o que viria a seguir, tão original e autêntico quanto o anterior: Meu pai. Daí a gente sabe bem de onde veio toda essa minha possessividade. Não é nada doentio, eu só não curto dividir quem eu amo com qualquer pessoa. 

Nunca me perdi - pelo menos não por muito tempo - porque, aparentemente, eu era a única criança chamando, aos berros, 'Meu pai!' ou 'Minha mãe!'. Vê só a inteligência prematura da garota. Enquanto todos os outros pequenos em apuros, perdidos, gritavam da mesma maneira, chamando por pais e mães que poderiam ser quaisquer outros, eu me fazia notar com esses termos tão meus. Ok, é brincadeira, eu nem sou vaidosa. Não tanto assim...

Meu pai. É engraçado que sejamos tão parecidos em tantos aspectos. Meio na sua, sem esbanjar, negando a efusividade por prezar a autenticidade em primeiro lugar, amando com a presença, mesmo em silêncio, e demonstrando da maneira que pode. Eu entendo, quero que saiba disso. Entendo, porque ajo da mesma maneira. Por vontade? Não, é só que é assim que nós somos. 

Então, não se esqueça, cacai, meu pai, que eu o amo muito. Não importa o quê, por quê, onde, quando. Eu o amo. Desde os primeiros até os últimos meses da minha vida.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Um desabafo



Movi montanhas, derrubei muros e cruzei barreiras. Tudo por motivos dos quais não me recordo, que parecem parte de um tempo distante, remoto. Colecionei ressentimentos, colhi ingratidão onde plantei compaixão, sofri por palavras duras e falsas de quem pensei ser amigo. Fiz e falei de tudo por aquilo que hoje não parece fazer sentido.

Decidi. Aprendi que algumas pessoas não merecem dedicação. Aprendi que a raiva e a dor só vão ferir a mim mesma, que senti-las vai fazer de mim infeliz e nenhum efeito surtirão em quem feriu. Corri, caí, ergui-me sofregamente. Lutei e chorei, mas hoje deixo minhas armas aos meus pés, chuto-as para longe. Percorro uma trilha de cada vez, não penso demais diante de bifurcações, faço escolhas tal como fazia antes. Não tenho pressa, não espero de ninguém o que faço por eles, apenas faço e aceno em despedida, sem alimentar idealizações. Se for para ser, esbarrarei com eles mais na frente, com aqueles que amo e que me amam. 

Cresci. Dispenso discussões, entendo que, no final, todos colherão o que plantam, e talvez a colheita venha saudável de outra lavoura, não daquela onde plantei. No final, sei que estarão comigo aqueles que me farão bem, não aqueles que espero que o façam.

Fatídico


Tendências não me atraem, prefiro o mistério ainda inexplorado do supostamente obsoleto

Cachorros


Não sei, cachorros são incríveis. Outro dia eu estava realmente triste sobre alguma coisa e fui sentar perto da minha sofia. De alguma maneira, ela sabia que eu não estava bem. Ficou meio quieta - nada típico dela - por um tempo e me olhou como se fosse mesmo falar alguma coisa. Então ela lambeu meu dedão do pé e começou a correr ao meu redor, parando de vez em quando e abanando o rabo, a bunda pra cima, o dorso arqueado. Eu tive que rir, comecei a rir loucamente, e ela adorou, como se pensasse ‘Finalmente eu te fiz feliz de novo’.

Obs: Esse texto eu escrevi dia 6 de Abril do ano passado. Sofia ainda tava viva e feliz, correndo pelo terreno, louca como sempre. Eu não sei bem o dia em que ela morreu, porque meus pais tentaram me proteger da notícia por alguns dias depois do dia. Mas ela vai ser pra sempre a minha preta louca, insubstituível. 

Meu riso


A gente poderia fugir por cinco minutos. Por cinco minutos, só nós dois, mais ninguém. Qualquer lugar, paisagem, música, qualquer roupa. Sorrir como só a gente sabe sorrir um para o outro. Sorrisos que são só nossos. De mãos dadas, como sempre, ou como de vez em quando. Tanto faz. Você com as suas manias, eu com as minhas birras. Sem objeções bobas, prometo. Sabe, tudo bem se não for perfeito, porque eu me apaixonei por todas as nossas imperfeições. Gosto que sejamos imperfeitos e mutáveis juntos. Gosto especialmente das suas mãos nas minhas, dos seus lábios contra a minha pele e gosto também de como nos evitamos de vez em quando, porque a reconciliação é sempre recheada de risos. Seu riso, o meu riso quando ouço o seu.

Desacordo


Meu fascínio pela imperfeição chega a ser risível. Continuo - como antes e antes disso - a ser atraída pelo incompleto, pelo esquivo, pelo irredutível. Talvez isso não passe de uma maneira inconsciente de admitir meu próprio desacordo.

A Equilibrista

Costuro nas relações sociais, filtro quase todo mundo e, quase sempre, tenho tanto medo de errar com aqueles que mantenho por perto, que me esqueço de me concentrar no fato de eles estarem por perto. É fácil me esconder dos outros, quase tão fácil quanto cair em contradição, como agora. A verdade é que eu vivo na corda bamba, assistindo aos próprios passos com cuidado demais. Um cuidado que, de tão excessivo, tornou-se depreciativo. Uma equilibrista de terceira classe, que teme tanto a queda quanto o equilíbrio; que estende a mão para equilibrar alguém quando ela própria precisa de ajuda. Entre a sanidade e a loucura. Loucura iminente, quase certa. E eu mal me lembro de como e quando subi na corda. O que eu sei é que preciso descobrir como descer.

Um Tributo ao Amor



Existem pessoas que guardam um pequeno frasco dentro do coração. Um frasco que merece ser compartilhado com o mundo. Há suficiente conteúdo dentro dele, cabe apenas a quem o possui a decisão de dividi-lo. JK Rowling decidiu por dividi-lo. Eu devia ter a idade de Harry no primeiro livro quando puxei minha mãe pela mão até a livraria logo depois de assistir a Harry Potter e a Pedra Filosofal. Uma generosa dose do que havia no frasco estava espalhada por todas as páginas, dando vida às palavras, transportando - ou seria mais adequado dizer ‘aparatando’? - minha mente para cada cenário, cada evento. Eu estava lá quando Harry, encolhido naquele pequeno cobertor, foi deixado à porta dos Dursley. Também fiquei apavorada enquanto Harry duelava com Voldemort - porque não há mais o que temer ao citar seu nome - na Câmara Secreta. Desconfiei de Sirius, senti a mesma raiva e dor de Harry ao confrontá-lo na Casa dos Gritos, em O Prisioneiro de Azkaban. Perdi o fôlego ao mergulhar em meio às sereias do Lago Negro na segunda prova do Torneio Tribruxo, em O Cálice de Fogo. Chorei, desconsolável, pela morte de Sirius, em A Ordem da Fênix. Sabia, de antemão, por instinto ou qualquer coisa assim, que Dumbledore havia implorado a Snape - ele sempre mereceu uma bomba de bosta naquele nariz grotesco, apesar de sempre ter protegido Harry, à sua maneira - que o matasse, em O Enigma do Príncipe. Finalmente, chorei por Edwiges - com cujo nome presenteei a coruja alva que passava todas as noites por cima do meu telhado - por Lupin, Tonks, Fred; Gritei ‘UHU!’ quando Sra. Weasley - tia Molly - berrou ‘A minha filha não, sua vaca!’ para Belatriz; berrei pela casa com o beijo mais esperado da saga, entre Rony e Hermione; e respirei aliviada quando Harry venceu Voldemort com a força que sempre manteve as pessoas certas por perto: o amor. JK Rowling tocou o coração de uma geração, dividiu sua angústia, sua felicidade, seu amor. Não creio que está por vir algo maior do que isso, porque não há nada mais encantador e acolhedor do que o amor que transborda pelas páginas de um livro de Harry Potter. Com sua licença, estou aparatando.

Ideias


Sabe o que é mais engraçado? Eu tenho andado pensando tanto sobre isso que cheguei a uma conclusão meio decepcionante: eu sou minha sabotadora. No fundo, talvez, eu sempre soubesse. Fiquei imersa numa fantasia por tempo demais, o suficiente pra que me parecesse real, era tudo o que eu conhecia. É um processo lento e aterrorizante me desfazer das ideias que eu construi. Eram perfeitas, inegavelmente perfeitas. Mas elas não passavam disso, só ideias.

Estaca Zero


Mudei, deixei aquela minha versão antiga pra trás. Deixei várias coisas pra trás. E agora, olhando pra garota que eu fui, não sei se eu sinto falta de algum aspecto dela. Seguir em frente é sobre aprender a me adaptar ao novo eu, ajustar alguns parafusos soltos, cometer outros errinhos, fazer tudo - absolutamente tudo - de um jeito diferente. É, perdi a ingenuidade de quem só enxerga o melhor nas pessoas, cega por tamanha consideração, pela sede de segurança. Eu me contorcia para satisfazer muitas pessoas, era patético, mas também era inocente. Uma inocência que eu não tenho mais, não sobrou nada, nada. Isso pode ser uma coisa boa a princípio, mas vai fazer falta na próxima esquina. Mas ficou decidido, depois de uma crise de reflexão, que é melhor assim. Dura e resistente por fora, pra intimidar os olhos. Que ninguém - nem eu mesma - se engane: sou tão mutável internamente quanto antes, naquele eterno conflito de forças, uma instabilidade que vem de tempos em tempos. Mas eu também tenho novidades que me fazem abrir um sorriso sincero, 100% autêntico. Não preciso de ninguém e quero me apaixonar pelas pessoas, não pela ideia que faço delas. Ser independente emocionalmente é um alívio. Ombros leves, alma fresca, feridas curadas. A estaca zero ensina muitas coisas.

#14 Clarice Lispector


O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio.
Clarice Lispector. 

Leve


Então, sabe da melhor? Meus ombros estão indiscutivelmente mais leves sem você e seu desinteresse disfarçado de indecisão.

Só previsão


Mais escrevo do que faço. Sou planejamento e prognóstico, só previsão.

Mal passado


Com um passado mal passado, um amor assim outro assado, colhendo os frutos de palavras não ditas e daquelas até meio bonitas que de mentiras nunca passaram.

#13 Markus Zusak

“-Que tal um beijo, Saumensch?
Ficou parado mais alguns instantes, com água pela cintura, antes de sair do rio e lhe entregar o livro. Tinha as calças grudadas no corpo e não parou de andar. Na verdade, acho que ele sentiu medo. Rudy Steiner ficou com medo do beijo da menina que roubava livros. Devia ter ansiado muito por ele. Devia amá-la com uma intensidade incrível. Tanto que nunca mais tornaria a lhe pedir seus lábios, e iria para sua sepultura sem eles.”
- A Menina que Roubava Livros, Markus Zusak

#12 Clarice Lispector


"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo."
 - Clarice Lispector

Um abismo

'Vem me contar', ela tinha aquele olhar de atenção e aconchego
quando disse isso. Era bem mais que sinceridade, ele não duvidava. Mas o que ele haveria de contar? Poucas coisas aconteceram nos últimos dias, assim como nos dias anteriores e aqueles mais anteriores. Era monotonia, silêncio, aquela bolha onde ele vivia desde muito tempo. 
‘Eu te escrevi o tal bilhete’, falou, podia ser relevante pra ela, quem sabe.

‘Ah, o bilhete. Ele tá aí?’, ela comprimiu os lábios, os olhos sombrios, sombras de desconfiança e interesse, olhos de caçadora.

Achou que seria melhor tirar de uma vez o pedaço de papel dobrado do bolso e entregar a ela. Quanto mais rápido, mais breve o desconforto, menor a tortura da ansiedade. Estendeu a mão e viu o papel sumir no bolso da calça dela.

‘Ué, cadê? Não vai ler?’

‘Mais tarde’

‘Agora’, ele insistiu com um riso nervoso demais, escapou quase como um gemido de dor.

Ela meneou a cabeça, sorriu sem mostrar os dentes, daquele jeito que ela fazia tão bem. Tinham mais alguns minutos, porque os pais dela iam chegar e achar aquilo tudo muito errado. Pegou numa mecha de cabelos dela, chegou mais perto até sentir o calor do pescoço, o colar delicado enfeitando a clavícula.

‘Não, mais tarde’, ela repetiu concisa, deixou um beijo estalado nos lábios dele e, subitamente, desviou o rosto para a janela. Apoiou-se e olhou para baixo. ‘Eles chegaram!’

Não era de brincadeira. Aquilo que ele sentia. Nem de longe. Agora, pelo menos, era uma coisa bem séria, ele diria. Mais sério do que muitas prioridades, mais do que qualquer coisa que tivesse de fazer. Parecia tão grave e determinante que ele mal podia respirar, porque aquela coisa arrancava ar dos pulmões, era intenso e palpável, tão avassalador quanto estúpido. Ele riu, riu por toda a madrugada, sempre que se lembrava da sacada e dos cabelos dela ao vento, do sorriso e daqueles olhos místicos cheios de segredos. Era engraçado, estupidamente engraçado. Um abismo onde ele escolheu se jogar.

Havia sempre algo para remontar ao que acabara.



Desde aquele último sorriso - o famoso divisor de águas - ela andava catatônica. As pessoas tentavam, a todo custo, descobrir todas as razões para as súbitas mudanças de humor, para a sua tendência ao isolamento. Não era como se ela tivesse transformado radicalmente a sua personalidade. Não. Apenas passara a perceber e sentir as coisas e pessoas de uma maneira diferente.

Sentia falta dos pequenos detalhes, mas, especialmente, do beijo de rotina, porque ele podia ser muitos beijos com o mesmo significado. Sem pressa, sem a paixão que cega e rouba o essencial. Era um beijo de puro sentimento, de amor. Tantas e tantas tardes de filmes independentes, muito doce e outros tantos beijos de ‘eu te amo’. Ela mal podia pensar sobre isso sem se encher de nostalgia e autopiedade.

O cara que ligava meia noite e um pra desejar feliz aniversário, que segurava seu dedo mindinho no supermercado, e fazia piada de tudo. Parte de um passado tão recente, mas, ao mesmo tempo, remoto. Por mais que tentasse se desligar dessas lembranças, sempre havia uma voz sussurrando como um fantasma insistente. Cenas que escorriam diante dos olhos, tão próximas que pareciam tangíveis.

Talvez as coisas estivessem fadadas, desde o início, a acabar como acabaram. Ela simplesmente se recusou a farejar os indícios. Agora ela percebia que as pistas estiveram por todos os lados. As ligações cada vez mais escassas, os olhares vazios e esquivos, as conversas forçadas. O fim da linguagem secreta que ninguém além deles dois seria capaz de decifrar.

Mas, mesmo com toda aquela saudade pungente, ela não se arrependia de nada. Arriscou tudo, aquilo era irrefutável. Então, que assim fosse. Que ele fosse a cicatriz eterna da certeza de que não era impossível se entregar.

#11 Kristen Stewart


Hateful, racist and ignorant remarks. When I hear people criticize without knowing the context, it makes me boil inside.
Kristen Stewart

#10 Tati Bernardi


Eu continuo sem saber que maravilha a vida poderia me reservar se eu não me protegesse tanto.
Tati Bernardi

Disparo


Amei, sorri, chorei muito por aí. Parei pra pensar e me perdi. Agora eu não paro. Disparo.

#9 Tati Bernardi

Para vocês mulheres que desacreditaram dos homens, nem venham dizer que principes encantados não existem, pois eles existem, eles só não vem mais com uma roupa de galã branca em um cavalo branco, os principes encantados, são aqueles caras que dormem e acordam pensando em vocês, pensando em uma forma de fazer vocês felizes por mais um dia, pensando em arrancar um simples sorriso, algumas infelizmente não tem o principe encantado porque ao invés de escolhê-lo, escolheram ao bobo da corte por ser mais bonitinho e engraçado.
Tati Bernardi 

#8 Caio F. Abreu

Discretamente, enviei sinais de socorro aos amigos. Ninguém ajudou. Me virei sozinho. Isso me endureceu um pouco mais. Não foi só você, não. Foram também pessoas até mais íntimas (…) me virei sozinho com enormes dificuldades. Não me lamuriei. Mas preciso que as pessoas saibam que isso doeu — exatamente porque algumas destas pessoas (…) importam para mim.
Cartas, Caio Fernando Abreu

#7 A letter 17 year old Zooey Deschanel wrote to the editors of Vogue

Só não faço alarde


Tímida, eu me escondo de ti o tempo todo, troco o dia pela noite, evito os mesmos lugares, os programas óbvios. Até gosto dos teus amigos, eles me abraçaram como parte do bando; um bando com a tua cara, o teu estilo, os teus trejeitos. Mas continuo a fugir da tua mão, do teu enlace. Porque fora do teu alcance, sou mais forte, sei quem sou e quem não sou; eu sou dona de mim e dos meus sentidos, das minhas roupas e do meu decoro. Não suporto esse jeito de olhar, o sorriso pequeno, as piadinhas instantâneas, não te suporto enquanto tu mesmo.


É, eu fico boba com os teus elogios, tua boca na minha pele, os olhares que me desnudam; tu bem sabes que finjo mal, que, na verdade, me tens nua e crua como ninguém mais teve. Esnobo, viro a cara, ignoro, mas é mentira, eu quero tuas manias, teus erros e tua serenidade irritante; quero teu verão, mas também teu inverno, teus complementos. Em troca, a garantia de que tu saberás onde me encontrar, eu te recebo, mas não te busco. No fundo, te aguardo, só não faço alarde.

#6 Clarice Lispector


Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesmo. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou preso dentro de mim.
Clarice Lispector

#5 Caio F. Abreu


Tenho medo de já ter perdido muito tempo. Tenho medo que seja cada vez mais difícil. Tenho medo de endurecer, de me fechar, de me encarapaçar dentro de uma solidão-escudo.
Caio Fernando Abreu

#4 Rob Pattinson


If you love anyone, you kinda feel like that you just don't have to prove it on a regular basis. If you're in love with someone, I think the marjority of people would say [On dying for the someone you love]: "If I have to die for this person to live, then I will". You don't really love someone if you're like: "No, I don't wanna. Just let them die!"
- Robert Pattinson.

Acorda


Levanta teu corpo cansado, continua. Já ouvi dizer que quem acredita sempre alcança, que tu não podes permitir que teus medos te mantenham fincado ao chão. Tira teu passado da mala e reserva espaço pro presente. Fica o conselho: viver de passado te faz passado e, no futuro, não tem espaço pra conjugar verbo no pretérito.

O rapaz sem nome


Ele tem o sorriso mais bonito, aquele de lábios estreitos unidos numa linha tênue. Aparece uma covinha no canto da bochecha sempre que sorri. Os olhos bem profundos se confundem com a gentileza do rosto tranquilo, mas, ao mesmo tempo, distraído. Uma tranquilidade distraída. É isso o que emana dele. De longe, é um cara legal. De perto, muito mais. Eu fantasio que o conheço muito bem, só porque, uns dias atrás, nós nos falamos por quase meia hora em mais uma das relações burocráticas cotidianas de celebração de contratos. Eu e ele, separados por um balcão. E ali estava ele, há alguns minutos, do outro lado da livraria. Ele me olhou. Aparentemente me reconheceu, porque deu um sorriso tímido, daqueles que são acompanhados pelos olhos. Devolvi. Como um sopro. Depois nunca mais o vi.